Dia 3 de Dezembro celebramos o Dia Mundial das Pessoas com Deficiência.
Muito importantes lembrarmos o lugar a que têm direito e construir uma sociedade que valorize todos. Porque, afinal, não há uns mais iguais do que os outros.
Será que lhes damos a importância que têm? Será que edificamos com elas um mundo sem barreiras, onde as diferenças nos unem e não marginalizamos ninguém? Será que ultrapassamos os obstáculos em vez de esconder as pessoas?
Aqui fica a bela Mensagem do Papa Francisco para este dia.
«Vós sois meus amigos» (Jo 15, 14)
Queridos irmãos e irmãs!
Por ocasião do vosso Dia Internacional, quero dirigir-me diretamente a vós que viveis uma condição de deficiência qualquer, para dizer que a Igreja vos ama e precisa de cada um de vós para cumprir a sua missão ao serviço do Evangelho.
Jesus, o amigo
Jesus é nosso amigo: foi Ele mesmo que o disse aos seus discípulos durante a Última Ceia (cf. Jo 15, 14). As suas palavras chegam até nós e iluminam o mistério da nossa ligação com Ele e da nossa pertença à Igreja. «A amizade com Jesus é indissolúvel. Nunca nos deixa, embora às vezes pareça calado. Quando precisamos d’Ele, deixa-Se encontrar por nós, e está ao nosso lado para onde quer que formos» (Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 154). Nós, cristãos, recebemos um dom: o acesso ao coração de Jesus e à amizade com Ele. É um privilégio que recebemos sem o merecer e que se torna a nossa chamada: a nossa vocação é sermos amigos d’Ele.
Ter Jesus como amigo é a maior das consolações e pode fazer de cada um de nós um discípulo agradecido, jubiloso e capaz de testemunhar que a própria fragilidade não é um obstáculo para viver e comunicar o Evangelho. Com efeito, a amizade confiante e pessoal com Jesus pode ser a chave espiritual para aceitar as limitações que todos experimentamos e viver em paz a nossa condição. Dela pode nascer uma alegria que «enche o coração e a vida inteira» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 1), pois a amizade com Jesus, como escreveu um grande exegeta, é «uma centelha que ateia o incêndio do entusiasmo».[1]
A Igreja é a vossa casa
O Batismo torna cada um de nós membro de pleno direito da comunidade eclesial e dá a cada um, sem exclusões nem discriminações, a possibilidade de exclamar: «Eu sou Igreja». De facto, a Igreja é a vossa casa. Nós, todos juntos, somos Igreja, porque Jesus escolheu ser nosso amigo. Ela «não é uma comunidade de pessoas perfeitas – queremos aprendê-lo cada vez melhor no processo sinodal que iniciamos –, mas de discípulos a caminho, que seguem o Senhor porque se reconhecem pecadores e necessitados do seu perdão» (Francisco, Catequese, na Audiência Geral de 13/IV/2016). Neste povo, que avança por entre as vicissitudes da história guiado pela Palavra de Deus, «todos são protagonistas, ninguém pode ser considerado um mero figurante» (Francisco, Discurso aos fiéis da diocese de Roma, 18/IX/2021). Por isso, também cada um de vós é chamado a oferecer a própria contribuição para o percurso sinodal. Estou convencido de que, se este for verdadeiramente «um processo eclesial participado e inclusivo»[2], a comunidade eclesial sairá realmente dele enriquecida.
Muitos de vós ainda hoje, infelizmente, «são tratados como corpos estranhos à sociedade (…), sentem que vivem sem pertença nem participação. Ainda há tanto que [vos] impede de beneficiar da plena cidadania» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 98). A discriminação ainda está demasiado presente em vários níveis da vida social; aquela alimenta-se de preconceitos, da ignorância e duma cultura que tem dificuldade em compreender o valor inestimável de toda a pessoa: concretamente, o facto de continuar a considerar a deficiência – que é o resultado da interação entre as barreiras sociais e as limitações de cada um – como se fosse uma doença contribui para vos estigmatizar mantendo segregada a vossa existência.
No que diz respeito à vida da Igreja, «a pior discriminação (…) é a falta de cuidado espiritual» (Evangelii gaudium, 200), que às vezes se manifestou na negação do acesso aos Sacramentos, experimentada infelizmente por alguns de vós. O Magistério é muito claro nisto e, recentemente, o Diretório para a Catequese afirmou de forma explícita que «ninguém pode recusar os Sacramentos às pessoas com deficiência» (n. 272). Face às discriminações, é precisamente a amizade de Jesus, recebida por todos como um dom imerecido, que nos resgata e permite viver as diferenças como riqueza. Realmente Jesus não nos chama servos, mulheres e homens de dignidade inferior, mas amigos: confidentes dignos de conhecer tudo o que Ele recebeu do Pai (cf. Jo 15, 15).
No tempo da provação
A amizade de Jesus protege-nos no tempo da provação. Sei bem que a pandemia da Covid-19, da qual com dificuldade vamos saindo, teve e continua a ter repercussões muito duras na vida de tantos de vós. Refiro-me, por exemplo, à necessidade de permanecer em casa por longos períodos, à dificuldade que muitos estudantes com deficiência têm para aceder aos instrumentos de ensino à distância, aos serviços às pessoas que estiveram longamente interrompidos em vários países, e a muitos outros incómodos que cada de vós teve de enfrentar. Mas sobretudo penso em quantos de vós viveis dentro de estruturas residenciais e no sofrimento que implicou a separação forçada dos vossos entes queridos. Nestes lugares, o vírus foi muito violento e, apesar de toda a dedicação do pessoal, ceifou muitas vítimas. Sabei que o Papa e a Igreja estão particularmente próximos de vós, com afeto e ternura.
A Igreja está ao lado daqueles dentre vós que ainda estão a lutar contra o coronavírus; como sempre, ela reitera a necessidade de se cuidar de cada um, sem que a condição de deficiência seja de obstáculo para o acesso aos melhores tratamentos disponíveis. Neste sentido, algumas Conferências Episcopais, como a da Inglaterra e País de Gales [3] e a dos Estados Unidos,[4] intervieram para pedir que se respeite o direito de todos a serem tratados sem discriminação.
O Evangelho é para todos
Da amizade com o Senhor deriva também a nossa vocação. Ele escolheu-nos para darmos muito fruto e para que o nosso fruto permaneça (cf. Jo 15, 16). Definindo-Se como a Videira verdadeira, quis que cada ramo pudesse, unido a Ele, dar fruto. Sim, Jesus deseja que cheguemos à «felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa» (Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 1).
O Evangelho também é para ti. Dirigida a cada um, é uma Palavra que consola e, ao mesmo tempo, chama à conversão. O Concílio Vaticano II, ao falar da vocação universal à santidade, ensina que «os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. (…) Para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que as dá Cristo, a fim de que (…) se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo» (Const. dogm. Lumen gentium, 40).
Contam-nos os Evangelhos que, quando algumas pessoas com deficiência encontraram Jesus, a sua vida mudou profundamente e começaram a ser testemunhas d’Ele. É o caso, por exemplo, do homem cego de nascença que, uma vez curado por Jesus, afirma corajosamente diante de todos que Ele é um profeta (cf. Jo 9, 17); e muitos outros proclamam, com alegria, aquilo que o Senhor fez por eles.
Sei que alguns de vós vivem condições de extrema fragilidade. Mas é precisamente a vós que me quero dirigir, talvez pedindo – onde for necessário – aos vossos familiares ou a quem vos acompanha de mais perto que vos leiam estas minhas palavras ou transmitam este meu apelo: pedir-vos para rezar. O Senhor escuta atentamente a oração de quem confia n’Ele. E ninguém diga «eu não sei rezar», porque, como diz o Apóstolo, «o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rm 8, 26). Com efeito, nos Evangelhos, Jesus ouve quem se Lhe dirige mesmo de forma aparentemente inadequada, talvez só com um gesto (cf. Lc 8, 44) ou um grito (Mc 10, 46-48). Na oração, há uma missão acessível a cada um e eu gostaria de a confiar de modo especial a vós. Não há ninguém tão frágil que não possa rezar, adorar o Senhor, dar glória ao seu Nome santo e interceder pela salvação do mundo. Diante de Deus Todo-Poderoso, descobrimo-nos todos iguais.
Queridos irmãos e irmãs, a vossa oração é mais urgente hoje do que nunca. Santa Teresa d’Ávila escreveu que, «em tempos difíceis, são necessários amigos fortes de Deus para sustentáculo dos fracos».[5] O tempo da pandemia mostrou-nos claramente que a condição de vulnerabilidade é comum a todos: «demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos».[6] E o primeiro modo de o fazer é precisamente rezar. Podemos fazê-lo todos; e ainda que tivéssemos, como Moisés, necessidade dum sustentáculo (cf. Ex 17, 10-12), temos a certeza de que o Senhor ouvirá a nossa súplica.
Desejo-vos todo o bem. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde.
Roma, São João de Latrão, 20 de novembro de 2021.
FRANCISCO